Vejam abaixo uma excelente entrevista feita pelo Instituto Jetro, e publicado hoje, com o experiente Pr. Luís Wesley de Souza. Nessa entrevista o pastor Luís fala sobre a diferença entre os líderes brasileiros e americanos e o que ambos podem aprender uns com os outros.

Muitas são as diferenças das lideranças cristãs brasileiras e americanas: o uso da tecnologia, a interação, o preparo das pregações e o encorajamento para o aprendizado ao longo da vida. Além destes fatores, de forma mais marcante, a importância das emoções para os brasileiros e dos objetivos para os americanos. Conhecer o que estas características influenciam na condução das ovelhas é o objetivo desta entrevista, que aproxima as possibilidades de aprender uns com os outros levando em conta as potencialidades de cada cultura.

Pr. Luís Wesley de Souza, co-fundador do Instituto Jetro, conhece bem as diferenças culturais nas Américas do Norte e do Sul, tendo sido pastor metodista no Brasil e atualmente, professor catedrático de Missão e Evangelismo na Emory University, Candler School of Theology, Atlanta, (EUA). Além destas vivências, seus estudos de pós-graduação foram feitos nos EUA. Ele é Pós-doutor em Teologia Prática e Práxis Religiosa pela Emory University, Doutor em Estudos Inter-Culturais pela E. Stanley Jones School of World Mission & Evangelism, Asbury Theological Seminary, Wilmore, (EUA) e Mestre em Missiologia pela mesma instituição.

Quais as diferenças quanto à liderança pastoral nas igrejas do Brasil e dos EUA?

Luís Wesley – A meu ver, são muitas as diferenças, mas vou apontar apenas quatro. A primeira diz respeito à questão tecnológica e de informação. A esmagadora maioria dos pastores americanos se vê razoavelmente cercada e provida de recursos tecnológicos, incluindo mídia externa e interna, aparelhagem eletrônica, instrumentação áudio-visual, boa biblioteca pessoal, amplo acesso às bibliotecas especializadas, assinatura de jornais e revistas, possuem computadores pessoais, acesso à Internet, promovem comunicação rápida com a comunidade via e-mail, periódicos e mala direta. Pastores brasileiros, entretanto, em sua grande maioria, ainda trabalham com recursos tecnológicos muito limitados, possuem pouco ou nenhum acesso à mídia, usam recursos caseiros e rudimentares, lêem pouco os periódicos, têm dificuldade de acesso à Internet e comunicam-se pouco com a comunidade local, a cidade ou o bairro.

A segunda diferença é relacional. Pastores americanos se sentem confiantes no exercício de liderança ministerial, mas a maioria enfrenta dificuldades quando o assunto é interagir com outros. Segundo pesquisa do Barna Group, 61% dos pastores americanos admitem terem pouquíssimos amigos chegados, por exemplo. Perceba o contraste: embora cercados de informação, recursos tecnológicos e humanos, secretária, assistentes, equipes, etc., pastores americanos se sentem sub-apreciados e nutrem receios no que tange às dinâmicas de convivência e de expectativa relacionadas ao fato de serem líderes espirituais, e acabam por se desconectarem das pessoas enquanto “gente”. Pastores brasileiros, por razões sócio-culturais, possuem uma habilidade maior para estabelecer conexões pessoais duradouras, compartilham seu dia-a-dia com as pessoas, se vulnerabilizam e dialogam mais, sentem mais o coração dos outros e, na maioria das vezes, se deixam perceber nos seus sentimentos.

A terceira, que considero mais flagrante, diz respeito ao púlpito. Pastores americanos se preparam exaustivamente para a pregação de domingo, despendendo em média 20 horas por semana neste exercício preparatório. A maioria das pregações é o que se poderia chamar de “obra prima” da homilética e do conteúdo teológico, mas é voltada para a audiência apenas e intelectualmente exaustiva. As temáticas são geralmente atreladas ao calendário litúrgico cristão. O pastor brasileiro, contudo, fala diversas vezes por semana, de cinco a oito vezes em média, não elabora suas pregações com teores intelectuais ou acadêmicos, e não objetiva apenas a audiência e/ou congregação imediata. Tende a falar para a Igreja como um todo e se define mais dependente da oração e da direção do Espírito Santo, embora isto nem sempre seja uma realidade prática e observável. Gasta pouco tempo em oração pessoal, escreve pouco, lê pouca literatura de suporte e faz uma leitura bíblica geralmente intuitiva e voltada para o que "deve" dizer aos outros muito mais do que a si mesmo.

A quarta diz respeito aos recursos extra-ordenação. Pastores americanos possuem amplo acesso e encorajamento à educação continuada e programas de “life-long learning” (aprendizado para a vida). Suas igrejas e denominações lhes provêem recursos para participação em congressos, fóruns, grupos de mentoria, viagens, treinamentos e interação ministerial extra-confessional e extra-igreja local. Pastores brasileiros, por outro lado, sentem a necessidade de todas e cada uma destas coisas, mas recebem ou guardam poucos recursos para torná-las possíveis. Em razão disso, acomodam-se quanto a continuar aprendendo, deixam de ser ensináveis em suas dimensões de fé, experiência, missão e vida, e, conseqüentemente, aceitam o engano de acharem que, por medida de economia de tempo e dinheiro, lhes é suficiente serem autodidatas. Isto ainda é menos grave do que a preguiça intelectual que os levam a buscar e abraçar "pacotes" teológicos, eclesiológicos, metodológicos e estratégicos prontos para o consumo sem reflexão e sem senso crítico de aplicabilidade teológica e contextual.

Levando em conta estas diferenças, o que podemos ensinar aos pastores dos EUA e o que devemos aprender com eles?

Luís Wesley – Penso que pastores brasileiros podem ensinar aos americanos que recurso tecnológico é útil e bom, mas nem sempre é fundamental para a boa comunicação interpessoal e nem pode ser encarado como meio sine qua non. Podem ensinar que a espiritualidade deve ser amplamente nutrida através da interação e da boa convivência com as pessoas "de carne e osso", sejam amigos distantes, irmãos de caminhada ou gente estranha à convivência diária. Podem ainda ensinar que a pregação de domingo é importante, sim, mas não é a única coisa do decorrer da semana, e nem parte da escrivaninha para o púlpito como trajetória única, mas do concreto da vida para o entendimento e compartilhar da Palavra no contexto do povo, da Igreja e da nação.

Os pastores americanos podem ensinar aos brasileiros a encararem com mais responsabilidade o estudo e a preparação semanal com vistas à pregação. Púlpitos são igualmente vazios de kerigma e kairós quando encarados de forma irresponsável e despreparada, ou, como diria um bom camponês do norte - pioneiro paranaense, "a Miguelão". O despreparo semanal tem conduzido muitos pastores brasileiros a “mastigarem borracha” nos púlpitos, com pregações caracterizadas pela apelação e a exacerbação emocional e por sacadas repentinas, pouco ou nada refletidas, inconseqüentes e pouco bíblicas, que mais parecem borrifos de água turva e rala que nunca rega a alma, a mente e o coração de forma profunda e duradoura. Os americanos podem ensinar os brasileiros que a formação pastoral não cessa quando se completa um curso num instituto bíblico, seminário ou faculdade teológica. É necessário continuar ensinável e intencional na busca por novos entendimentos, perspectivas e introspecções.

Diferentes características culturais, tais como o fato de os brasileiros serem mais emocionais e os americanos mais objetivos, influenciam de que forma na condução das igrejas?

Luís Wesley – Dando mais espaço para as emoções, o líder cristão brasileiro tende a ser marcantemente intuitivo. Isto pode ser muito bom, mas também pode vir a ser devastador para a liderança ministerial de uma comunidade. Ser intuitivo pode marcar, extraordinariamente, uma liderança ministerial sensível, contemplativa, aberta e acessível. Penso que é no campo da intuição que nos tornamos mais abertos para a ação soberana e criativa do Espírito Santo. Há, contudo, um grande perigo quando colocamos demasiada confiança na auto-criatividade e no auto-discernimento advindos da intuição sem objetividade e sem relacionamentos que ofereçam questionamentos desafiadores ao indivíduo e a comunidade. Se o pastor se torna apenas intuitivo no exercício do ministério, negligenciará o fato de que o Espírito não se prende à intuição humana, nem a um só indivíduo. Ao confiar demais, além da conta, na sua intuição, o pastor desenvolverá um ministério místico, desconectado com a realidade, não consciente de suas metas e propósitos, e negligente do povo como comunidade do carisma, dos dons e da diversidade de talentos.

O inverso também é verdadeiro. O excesso de objetividade, que acontece com mais intensidade no ministério dos pastores americanos (embora isto também caracterize alguns pastores brasileiros!) tem o poder de gerar certa inflexibilidade, de bloquear a dinâmica de infusão de vida, além de causar uma espécie de eclipse no entendimento ou discernimento sobre a direção em que o “Vento” está soprando. Enquanto missiólogo, consultor e instrutor nas Américas do Norte e do Sul, vejo que é possível construir uma objetividade que também se deixa governar pela intuição comunitária. Gestão de planos, projetos, iniciativas e metas, por exemplo, que outrora eram tabus, servem para capacitar e acompanhar líderes em várias frentes de abordagem, e hoje estão sendo encarados como úteis, relevantes, redimíveis e aplicáveis ao ministério cristão que se entende e se percebe cheio e guiado do Espírito Santo.

Quais as diferenças na condução das ovelhas das igrejas americanas e brasileiras?

Luís Wesley – Lembro-me de quando eu e minha família éramos membros de uma enorme igreja metodista em Lexington, EUA. Num domingo pela manhã, minha esposa e eu estávamos participando da nossa classe de escola dominical, e o pastor titular, para a surpresa do professor e de nós alunos, veio visitar nossa turma. Acompanhado pela esposa, ele permaneceu não mais do que três minutos na sala, trouxe uma saudação, e saiu rumo à outra classe. Do momento da saída dele até o final da classe, a turma abandonou a lição que vínhamos estudando e passou a falar apenas da visita do pastor naquela manhã.

Dentre as coisas positivas e negativas que aprendi do ocorrido, destaco uma negativa, ou seja, o fato de que aquela experiência denunciou a distância que geralmente há entre o pastor e as ovelhas. Enquanto família e indivíduos, por exemplo, nunca recebemos uma só visita pastoral ou telefonema pastoral, e todas as tentativas de buscar o cuidado do pastor dependiam sempre de agendamento muito prévio, isto é, com antecedência de longo prazo. As sessões de aconselhamentos, quando agendadas, eram curtas e objetivas, e geralmente feitas pelos pastores auxiliares e/ou voluntários em seções geralmente formais e em termos profissionais.

Com algumas exceções, o cuidado pastoral dos brasileiros é feito mais no corpo-a-corpo, em bases relacionais, afetivas e aproximadoras. Isto é, o cuidado com as ovelhas é mais individual e familiar, sem deixar de ser coletivo. Neste jeito brasileiro de prover cuidado pastoral, a presença é encarada como algo fundamental. Olhar nos olhos, sentir o coração, dar lugar ao abraço, ao toque e ao afago lícito são coisas indispensáveis para a cultura brasileira.

John Maxwell em seu livro Parceiros de Oração (Editora Betânia), alerta para o fato de que nos Estados Unidos 30% dos pastores seriam tentados a “abandonar as suas responsabilidades” naquele ano. De forma geral, quais os pastores são mais sobrecarregados, os americanos ou brasileiros?

Luís Wesley – A questão da intuição e da objetividade ajuda a responder esta pergunta. Os pastores americanos fazem pouco com muita objetividade, e se frustram, enquanto os pastores brasileiros realizam muito com pouca objetividade, e se desgastam. O que mais estressa os pastores não é o volume de trabalho, mas o excesso de cansaço advindo da falta de entendimento do que significa ser e fazer igreja e ministério. Em conseqüência disso, tiros são dados para todos os lados e para lado nenhum, o que cansa, aborrece, enfada e rouba o entusiasmo do coração.

Este cansaço gera muita frustração e insatisfação, e daí surgem os sentimentos que levam pastores a desejarem desistir não somente do que de fato importa em ministério - a glória de Deus -, mas também de suas famílias e de si mesmos. Muitos acabam por abandonar por completo o que outrora era feito por paixão, chamado e vocação, mas que agora é feito por "honra da firma" e para a sobrevivência pessoal. Esta realidade se aplica tanto para pastores brasileiros como para americanos.

Fonte: www.institutojetro.com