Começa a ser cada vez mais frequente em determinados eventos religiosos os pastores serem recebidos ou apresentados ao público como Autoridades Eclesiásticas, especialmente naqueles conclaves que contam com a habitual participação de lideranças políticas. Não sei se esse tipo de tratamento dispensado para tais pastores consiste apenas em lisonjeio por parte de quem conduz a cerimônia ou se realmente tais obreiros são tão vaidosos ao ponto de acreditarem ser entre o povo de Deus uma autoridade eclesiástica. Inclusive, este rótulo não surgiu no cenário evangélico da noite para o dia. Já vinha sendo aceito como inscrição nas capas das carteiras de Capelães e Ministros do Evangelho em alguns lugares no país, sendo inclusive comercializadas indiscriminadamente em algumas lojas virtuais pela internet.

Talvez, ao ler este artigo você deve lembrar quando em meados de 2012 a Polícia Federal deflagrou uma operação intitulada “carteira santa” que levou a detenção de duas pessoas e apreensão de 300 carteiras com o Brasão da República e os dizeres “autoridade eclesiástica”. Na época essas carteiras estavam sendo distribuídas entre lideranças religiosas da cidade de Belo Horizonte, o que levou a polícia indiciar os envolvidos pela infração do artigo 296 do Código Penal que trata do crime contra a fé pública e falsificação de selo oficial – situação essa lamentável e vergonhosa. Mas, infelizmente é o que acontece quando existem pastores que ao invés de se preocuparem em conduzir fielmente o rebanho do Senhor preferem buscar prestigio e influência política entre os homens. Paulo tinha essa consciência quando escreveu: “E não buscamos glória dos homens, nem de vós, nem de outros, ainda que podíamos, como apóstolos de Cristo, ser-vos pesados” (1 Ts 2:6). Dele ainda aprendemos que “ninguém que milita se embaraça com negócios desta vida, a fim de agradar àquele que o alistou para a guerra (2 Tm 2:4).

Posto isto, quero a partir deste momento já esclarecer que não sou contra a participação do crente na política. Não é sobre este assunto que quero tratar aqui. Sou um incentivador de que do nosso meio saiam candidatos para concorrerem a cargos eletivos, bem como na participação direta e indireta das nossas igrejas nas demandas políticas do nosso país. Creio piamente que os melhores homens e mulheres desta nação estão em nossas congregações. Assim, o que procurarei na medida do possível explicar aqui é o tratamento pomposo e incompatível com a função pastoral que vem sendo dado aos pastores em alguns lugares e eventos, como esses onde alguns Ministros do Evangelho são chamados de “autoridade eclesiástica” - uma forma de tratar o obreiro que não encontra apoio nas Escrituras.

Embora este rótulo tenha sido possível no passado em que alguns países tinham o catolicismo ou até mesmo algum ramo do protestantismo como a religião oficial do estado, subsidiando algumas vezes até o sustento pastoral dos seus sacerdotes. Todavia, hoje isso tornou-se impossível por causa da separação entre Igreja e Estado na maioria das nações ocidentais, onde o governo e todos os tipos de instituições religiosas devem ser mantidos separados e independentes uns dos outros  

Contudo, o que a Palavra de Deus tem a nos dizer sobre este assunto? Será que ao lado das autoridades civis os pastores devem ser reconhecidos como autoridades eclesiásticas? Um outra pergunta importante relacionada sobre este assunto também seria a seguinte: Existe alguma diferença entre os termos autoridade espiritual e autoridade eclesiástica? São questões importantes que merecem respostas para entendermos este tema. No entanto, antes de apresentar minhas explicações para estas perguntas vou tratar a seguir do conceito do termo “autoridade”. Depois, irei analisar alguns dos principais textos bíblicos que utilizam a mesma palavra em diversas passagens.

Buscando no ordenamento jurídico brasileiro uma definição para esta palavra, verifiquei na antiguíssima Lei nº 4.898 de 9 de Dezembro de 1965, que desde setembro de 2019 encontra-se revogada pela nova Lei nº 13.869 que trata sobre o Abuso de Autoridade, o seguinte conceito: “Considera-se autoridade, para os efeitos desta lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração” (art. 5º da Art. 5º).

Perceba que o referido conceito restringe o exercício legitimo de uma Autoridade a partir do ambiente público, ou seja, toda autoridade constituída ou nomeada legalmente “exerce cargo, emprego ou função pública”, podendo ser de natureza civil ou militar; mas, nunca religiosa. Pode-se se dizer ainda que as atividades de tais autoridades são disciplinadas e de interesses de entes federativos como Municípios, Estados e União. Deste modo, se eu me baseasse exclusivamente na definição desta lei já era motivo suficiente para dizer que nenhum pastor é autoridade eclesiástica. E isso, simplesmente porque a função de um pastor é outorgada por entidades privadas como igrejas, convenções etc, cuja atuação circunscreve apenas no ambiente da sua igreja local.

Ainda, dentre tantas outras definições encontradas nos léxicos de língua portuguesa sobre a palavra ‘autoridade’ existe uma que diz o seguinte: “Direito ou poder de mandar, de ordenar, de decidir, de se fazer obedecer. Forma de controle baseado no poder atribuído a determinadas posições ou cargos; superioridade advinda dessa posição ou cargo. Representante do governo de um país; indivíduo ocupante de cargo público, investido de poder oficial” (MICHAELIS). Só por esta definição já se exclui totalmente a concepção da função pastoral como uma autoridade eclesiástica, tendo em vista que um pastor, de acordo com a Bíblia Sagrada, não foi colocado em uma posição de superioridade a outras pessoas. Nenhum pastor tem "direito ou poder de mandar, de ordenar, de decidir, de se fazer obedecer”, muito pelo contrário, um pastor existe para servir ao rebanho do Senhor. Como sacerdote o mesmo faz-se servidor do povo – isso faz parte da natureza pastoral.

Para aqueles que querem usar sua posição ou cargo de liderança recebido na sua igreja local para eleva-se acima dos seus irmãos o Senhor Jesus deixa a seguinte exortação: "Então Jesus, chamando-os para junto de si, disse: Bem sabeis que pelos príncipes dos gentios são estes dominados, e que os grandes exercem autoridade sobre eles. Não será assim entre vós; mas todo aquele que quiser entre vós fazer-se grande seja vosso serviçal; E, qualquer que entre vós quiser ser o primeiro, seja vosso servo" (Mt 20:25-27).

Já no Novo Testamento a palavra ‘autoridade’ é traduzida principalmente do substantivo grego exousia (ἐξουσία), que também pode significar ‘poder’. Assim, os substantivos ‘autoridade ou poder” podem ser encontrados em diversas passagens trazendo diferentes significados, como por exemplo: 1) liberdade para decidir ou escolher (Jo 10:18; Rm 9:21, At 5:4, 2 Ts 3:9); 2) comando e chefia em função do cargo militar ou público (Lc 7:8, 20:20); 3) domínio e jurisdição (Lc 23:7, Ef 2:2, Cl 1:13) e 4) oficiais e governo humano (Lc 12:11, Rm 13:1-3). Estes são apenas alguns versos, mas existem muitos outros que contem a palavra exousia e que permitem sentidos diferentes ao se traduzir de acordo com o contexto do versículo. Contudo, afirma-se no lexical e na acepção do termo “autoridade” ou “poder” que, em nenhum lugar encontra-se ao menos um verso que permita entender o pastorado como um direito adquirido ou poder recebido para mandar e se fazer obedecer pela força. Como já dito anteriormente um pastor é servo e não senhor.

Aos seus Apóstolos Jesus compartilhou qual deve ser o sentimento e comportamento de uma verdadeira liderança espiritual quando falou: “Então Jesus, chamando-os para junto de si, disse: Bem sabeis que pelos príncipes dos gentios são estes dominados, e que os grandes exercem autoridade sobre eles. Não será assim entre vós; mas todo aquele que quiser entre vós fazer-se grande seja vosso serviçal; E, qualquer que entre vós quiser ser o primeiro, seja vosso servo” (Mt 20:25-27).

Paulo que considero um dos mais importantes apóstolos e um dos maiores líderes espirituais da igreja, juntamente com seu pupilo Timóteo não ousaram pensar deles mesmos como Autoridades sobre o povo de Deus – ambos se consideravam como servos e nada mais. Ao se apresentarem às igrejas diziam: “Paulo e Timóteo, servos de Jesus Cristo, a todos os santos em Cristo Jesus” (Fp 1:1).

Como bom aluno que foi de Jesus, o apóstolo Pedro também orientou os pastores a se portarem como servos de Deus e da Sua igreja com a importante recomendação: “Aconselho que cuidem bem do rebanho que Deus lhes deu e façam isso de boa vontade, como Deus quer, e não de má vontade. Não façam o seu trabalho para ganhar dinheiro, mas com o verdadeiro desejo de servir. Não procurem dominar os que foram entregues aos cuidados de vocês, mas sejam um exemplo para o rebanho. E, quando o Grande Pastor aparecer, vocês receberão a coroa gloriosa, que nunca perde o seu brilho” (1 Pd 5:2-4).

Acredito que até aqui ficou bastante claro o que a Palavra de Deus tem a nos dizer sobre este assunto, deixando evidente para nós que os pastores não devem ser reconhecidos como autoridades eclesiásticas nem muito menos buscar tal posição por carecer de respaldo bíblico.

Agora, resta responder a última pergunta: Existe alguma diferença entre os termos autoridade espiritual e autoridade eclesiástica? Sim, já adianto que existe uma distinção de uma para outra. Pois, enquanto a condição de Autoridade Eclesiástica para o pastorado não possui nenhum respaldo nas Escrituras Sagradas a ideia de Autoridade Espiritual possui um extenso amparo na Palavra de Deus.

E, para se entender este assunto corretamente, é preciso conhecer três importantes princípios que norteiam a condição daqueles que detém Autoridade Espiritual. O primeiro diz respeito a origem da autoridade espiritual. E, de acordo com a Bíblia este tipo de autoridade não pode vir do homem. Ela vem de Deus e é dada por Jesus à igreja. Pois, o detentor absoluto de todo poder e autoridade nos céus e na terra é Cristo (Mt 28:28). Assim, como fazemos parte do corpo de Cristo que é sua igreja e temos como missão pregar o Evangelho aos perdidos, o Senhor também nos concede uma medida de autoridade espiritual para que Sua obra seja realizada. Ele mesmo no disse: "Eis que vos dou poder para pisar serpentes e escorpiões, e toda a força do inimigo, e nada vos fará dano algum" (Lc 10:19); "E estes sinais seguirão aos que crerem: Em meu nome expulsarão os demônios; falarão novas línguas" (Mc 16:17). Outros versos corroboram com esta verdade (Jo 3:27; 14:12; Lc 24:49; 1 Co12:5-7).

Agora, o segundo princípio entendido nas Escrituras ensina que no contexto do Reino de Deus a autoridade espiritual é concedida somente para aqueles que são pessoas espirituais. Pois, o homem natural não pode entender nem obter autoridade espiritual simplesmente pelo fato de que ninguém pode receber aquilo que não entende. Sobre esta verdade Paulo também escreve: "Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente" (1 Co 2:14). Outro ponto importante é que o homem espiritual anda segundo o Espírito de Deus (Rm 8:1). E, andar no Espírito significa viver uma vida que evidencia o fruto do Espírito: "Mas o fruto do Espírito é: amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança" (Gl 5:22).

Em seguida, o terceiro e último princípio refere-se ao universo de atuação e manifestação daqueles que possuem autoridade espiritual. Este lugar entendo ser o Reino de Deus que desde os tempos de Jesus na terra já está entre nós (Mt 3:2), ou mais especificamente, o campo espiritual para onde os pastores são chamados para sua missão, como: evangelizar, discipular, ensinar, orar, curar enfermos, expulsar demônios etc. O apóstolo Paulo amplia um pouco mais da nossa percepção do mundo espiritual quando diz que “...não temos que lutar contra a carne e o sangue, mas, sim, contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais" (Ef 6:12).


Sendo assim, com o conhecimento obtido destes princípios, me arrisco a elaborar a seguinte definição de Autoridade Espiritual: É a capacidade divina que o crente recebe para viver uma vida que agrade a Deus e que possa levá-lo a mover-se, pela fé, no mundo espiritual com o objetivo de intervir no mesmo por meio do poder que há no Nome de Jesus. Este é o tipo de autoridade que não só os pastores precisam buscar; mas, acredito que todos os membros do corpo de Cristo deveriam usufruir. E, a boa notícia é que a mesma está à disposição de todos os crentes.

Isto posto, considero que Autoridade Espiritual é um estado de vida ou condição espiritual sem a qual nenhum obreiro terá sucesso no seu labor pastoral. Diferentemente, entende-se que Autoridade Eclesiástica como uma mera posição terrena, almejada e desejada por algumas pessoas; mas, que nunca foi encorajado por Cristo e seus apóstolos.

Gleison Elias Pereira

Referências

AUTORIDADE. Dicionário online do Michaelis. Disponível em: < http://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=autoridade /> Acesso em: 20/03/2020.

BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada, Edição Almeida Revista e Corrigida (ARC). Barueri. SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2009.

BRASIL. Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965. Regula o Direito de Representação e o processo de Responsabilidade Administrativa Civil e Penal, nos casos de abuso de autoridade. Brasília, 14 de dezembro de 2006; 185º da Independência e 118º da República. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4898.htm/>. Acesso em: 20/03/2020.
GINGRICH, F. Wilbur; DANKER, Frederick W. Léxico do N. T. Grego/Português. São Paulo: Edições Vida Nova, 1993.

NEW TESTAMENT. The Greek New Testament. Londres: Trinitarian Bible Society.